O “pavoroso” nas histórias infantis: por que não poupar as crianças?

“Ogros, melhor sabê-los”. Esse é o título da orelha do livro “Ogros”, lançamento da editora Aletria, escrito por Ernani Ssó e com ilustrações de Nelson Cruz. Com essa chamada, a psicanalista e coautora de “Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis” (Editora Artmed), Diana Lichtenstein Corso, nos convida a pensar sobre a importância do medo, do feio e do horror nas histórias infantis. 

Ela logo avisa que se “você pensa que crianças se apavoram e deveriam ser mantidas longe desses assuntos, está enganado”. Ela afirma que é natural que as crianças tenham contato e até gostem desses personagens assustadores porque eles dão concretude aos seus pesadelos e tornam seus medos menores justamente porque, na história, eles ganham forma. 

O mesmo discurso permeia boa parte dos argumentos de Celso Guttfreind em sua obra “O Terapeuta e o Lobo” (2003), onde apresenta os principais resultados de um ateliê de contos realizado com crianças em situação de abandono.   

Entre as principais conclusões do pesquisador e de sua equipe é que os contos serviram como representação dos sofrimentos vividos pelas crianças que participaram do estudo. Para o autor, o trabalho do ateliê “ajudou-as a encontrarem um discurso, uma forma de expressão, uma história” (p.16). 

O autor afirma que o conto infantil consegue ser duplamente capaz por ser “espelho” dos conflitos do leitor e, ao mesmo tempo, estabelecer uma distância da realidade, já que é apenas uma metáfora. Isso gera conforto para o leitor que pode se ver desnudado por uma narrativa sem, necessariamente, vivê-la no mundo físico. Veja o que ele diz: 

“Ora, brincando com outras histórias e seus respectivos contadores, as crianças retomaram o seu fio narrativo e relacional. Isso porque os contos falam de tudo sem nada ameaçar e, por suas metáforas, podem trazer histórias terríveis, mas que, dentro do conto, deixam de ser ameaçadoras. Utilizando-se de outras histórias, nossas crianças puderam recontar, reouvir, reviver suas próprias histórias para, a partir disso, construí-las, contá-las, expressá-las e sobretudo elaborá-las” (GUTFREIND, 2003, p. 147) 

Texto: Thaíne Belissa – Jornalista da Editora Aletria e especialista em neurociência aplicada à educação